quarta-feira, 12 de maio de 2010

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Que fim de tarde frio e úmido, desde manhã cai uma fina garoa. Nem o Cristo no alto do Corcovado esperava por essa, um clima bem atípico para essa época do ano na Cidade Maravilhosa. Se bem que nos dias de hoje o que pode ser considerado normal ou atípico de alguma coisa.
No chão em meio a poças refletem-se luzes oriundas dos barracos por toda a encosta do morro, nestas ruas transitam crianças regressando das escolas, uma correria acompanhada de cantigas e expressões sorridentes, incansáveis saltando de um lado para o outro, uma pureza ainda não corrompida pelos sentimentos humanos menos nobres, que Deus mantenha essa inocência até o seu desabrochar.
Ao cair da noite, em becos semi-escuros é possível ver muitos desacreditados entregues aos vícios, alguns por não saberem, ou por não aceitarem sua realidade. Na porta de um boteco mal iluminado algumas garotas com seus trajes de ofício trazem estampados em seus rostos angelicais “prazer barato”, uma vida que de fácil não tem nada, para muitas é única maneira de mal sobreviverem num cafofo imundo num endereço qualquer.
Eis que de um dos becos surge uma figura de estereótipo juvenil, passos firmes calçados com um All Star ensopado, silhueta nos autos de seus 22 anos, no rosto pálido apenas uma expressão desoladora, sentia frio, fome e seus olhos grandes e borrados de maquiagem buscavam ao longe algo que parecia ter se perdido no tempo. Caminhava por aquele bairro perigoso sem ao menos sentir medo ou qualquer cuidado com sua segurança, tanto que nem pressentira a existência de dois rapazes, cheios de más intenções, seguindo-a desde que dobrou a esquina.
Os relatos que se seguirão, podem não ser reais para mim ou para você, mas para Karen foi tudo fato, real até a última gota de sangue derramada de seu destino.


Karen Veiga Reards sempre foi do tipo garota da cidade grande de sonhos românticos. Bem nascida, refugiou-se no mundo da leitura para suprir a ausência dos pais, estes sempre ocupados com algum grande negócio. Karen fazia mais o estilo de sua mãe, morena de cabelos lisos, corpo de formas generosas e semblantes sensuais. Do pai herdou alguns genes que a proporcionaram olhos azuis com um leve tom esverdeado, esse tom era mais evidente quando ficava irritada. Filha de Max Reards, um norte-americano radicado no Brasil desde a década de 80, de família tradicionalmente militar ele recusou-se a lutar na Guerra do Vietnã. Max era alto e grisalho apesar da pouca idade, uma característica genética de sua família, dono de uma voz firme, olhos azuis e serenos.
Sua mãe, Sônia, era brasileiríssima, uma morena pomposa do norte do Paraná, olhos meigos cor de mel, jeitosa no falar, de uma educação refinada. Quando criança, Karen adorava entrar no quarto da mãe e brincar de “mulher grande”, como ela se referia ao ato de se fazer de crescida e usar os produtos de beleza. Sempre que contava para alguém esses fatos, ela fechava os olhos e dizia que assim podia sentir o cheiro de erva doce dos produtos da mãe e isso a fazia lembrar-se dela.


O que um adolescente pensa a respeito da ausência dos pais? Carlos, irmão de Karen, nunca foi de pensar muito, ele agia, mesmo que fosse das piores formas possíveis para chamar a atenção, o que lhe renderam diversos castigos e de uma forma estranha o respeito de Karen. Sua fisionomia assemelhava-se a de seu pai, olhos também azuis, cabelos claros e estatura mais baixa. Corpo com porte atlético, conseqüência da prática de esportes radicais, tinha em mente que a adrenalina somada com o perigo do esporte substituía a carência, uma de suas formas de protesto juvenil.



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